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12/02/2024 - 09:47

HISTÓRIA DA FAZENDA JACOBINA EM CÁCERES: A saga de Maria Josepha de Jesus Leite: da infância na fazenda Jacobina à matriarca influente de Mato Grosso

Por Sinézio Alcântara/Expressão Notícias

Expressão Notícias

 (Crédito: Expressão Notícias)
A fazenda Jacobina, espaço rural onde nasceu, cresceu, casou, viveu e procriou a heroína desta história, Maria Josepha de Jesus Leite, compreendia um sobrado com uma grande varanda com parapeito ao longo da fachada da casa, que dava uma excelente visão do movimento das pessoas que ali viviam e trabalhavam e do que existiam no entorno da casa como oficinas, casas cobertas de telhas, uma capela, grandes armazéns, quatro engenhos de açúcar, dois tocados à água e dois por bois, uma olaria, uma máquina de socar milho e ranchos. Além de quartos, salas e outras peças indispensáveis ao convívio da família, havia espaços para receber hóspedes ilustres. Avistavam-se, ainda, do alpendre, hortas e pomares bem cultivados e aves domésticas. Fora do olhar ficavam a criação de animais e a plantação de cana-de-açúcar e outras lavouras. Como todo escravocrata, seu pai Leonardo Soares de Souza, o proprietário da fazenda, dispunha de um contingente considerável de escravos de ambos os sexos, gente forra entre agregados, crioulos, mulatos e índios que se ocupavam da lida diária.

O engenho da Jacobina distinguia-se de outras propriedades rurais florescentes no início do século XIX, não pela produção agropecuária, utilização de mão de obra escrava e de agregados, muito menos pelo domínio de vasta extensão de terras e ponto de referência para expedições, viajantes e políticos, mas principalmente pela presença feminina à frente dos negócios e da administração do Engenho, representada inicialmente por Dona Ana Maria, viúva do primeiro proprietário, Coronel Leonardo Soares de Souza e, mais tarde, pela sua filha Maria Josepha.

A proposta de recontar a história de Maria Josepha de Jesus Leite, a Nhanhá da Jacobina, de forma romanceada, perpassa pelo dizível de autores mato-grossenses e de outros Estados que dizem, respectivamente, sobre a Jacobina e a vida cotidiana das famílias nos engenhos brasileiros, e se dá pela excepcionalidade dessa mulher que, não tendo estudado e nem sido preparada para o trabalho, enviuvou-se aos 32 (trina e dois) anos de idade, com 10 (dez) filhos, o último recém-nascido, administrou as propriedades deixadas pelos pais com mão de ferro, até o final de sua vida, num período em que o papel da mulher era de submissão e obediência.

Enunciar o nome Jacobina faz rememorar traços de memórias de um passado que significam no presente um casal de portugueses, Leonardo Soares de Souza, natural de Aveiro (Portugal), e Ana Maria da Silva, também de origem portuguesa, que bravamente se incursionou nos sertões mato-grossenses, na segunda metade do século XVIII, e se assentou em terras requeridas e localizadas na paragem denominada Jacobina, junto a um ribeirão que deságua nos pantanais do Paraguai.

A fazenda Jacobina, localizada no caminho entre Cáceres-Cuiabá, se mantém até hoje, e desponta na BR-370 projetando a Casa Grande, relíquia de um passado exuberante, construída no século XVIII, cuja arquitetura rememora, guardadas as proporções, o modelo dos engenhos do Brasil-colônia.

A saga de Maria Josepha, nossa protagonista, será narrada em três momentos: Maria Josepha-menina, Maria Josepha-Sinhá e Maria Josepha-mulher e mãe. Comecemos!
Maria Josepha-criança.
Na fazenda Jacobina, circundada de terras verdejantes, banhadas de água doce, Ana Maria da Silva, esposa de Leonardo Soares de Souza, deu à luz uma menina, em 21 de dezembro de 1801, que recebeu na pia batismal o nome de Maria Josepha de Souza, tendo como padrinhos o Capitão-General João Carlos Augusto D’Oynhausen de Gavenberg, oitavo Governador da Capitania de Mato Grosso, e sua esposa.
O batizado realizado na Capela Santo Antônio da Jacobina foi um grande acontecimento social, religioso e político, com as pompas de herdeira de um dos mais ricos e influentes proprietários de fazenda de engenho da Província de Mato Grosso, afluindo ao espaço da Capela os convidados e o pessoal da fazenda.
Nesse dia especial, é possível que a festa de batizado de Maria Josepha tenha ocorrido com mais requinte que a de seu filho, de nome Leonardo, como descreve Hércules Florence (1977, p. 211): Os músicos da fazenda que eram cativos tocaram desde a aurora árias debaixo das janelas da casa e passearam em bando ao redor do grande pátio. O ar estrugia com os foguetes […]. Donos, hóspedes, agregados e escravos, todos assistiram à missa celebrada pelo vigário, irmão de Dona Ana. Os festejos culminavam num banquete servido no alpendre da Casa
Nesse ambiente patriarcal e escravocrata, Maria Josepha, filha única do casal Leonardo e Ana Maria, deu os primeiros passos e cresceu sob os atentos olhares da mãe e dos cuidados das escravas de casa, brincando na companhia dos filhos das escravas escolhidas para trabalhar durante o dia na Casa Grande.
Doutrinada na fé cristã desde pequena, a menina Maria Josepha recebeu os ensinamentos religiosos e fez a primeira comunhão na Capela da fazenda. Conforme as crenças da época, depois da cerimônia da comunhão, a menina passava à condição de sinhá-moça. De acordo com o tradicional figurino do batismo, comum às ricas herdeiras de descendência portuguesa, imagina-se Maria Josepha vestida de roupa branca até os pés, com véu de filó branco ou de renda sobre a cabeça, trazendo nas mãos o terço e o catecismo.
Durante a meninice, Maria Josepha não teve oportunidade de conhecer as primeiras letras, e essa falha será notada na fase adulta, quando delegava a um dos filhos homens a assinatura em documentos cartoriais “por não saber ler nem escrever”. A Igreja, responsável por ministrar a educação, não incluía a mulher, à qual era ensinada a obediência não só ao pai como também ao marido. À mulher não era permitido estudar e aprender a ler, de forma a mantê-la subjugada, desprovida de conhecimentos. A mulher, como a nossa heroína, estava destinada ao lar: casamento, orações e filhos.
Sem o convívio com meninas de sua idade, a vida social de Maria Josepha se resumia em acompanhar a mãe às missas celebradas na Capela da fazenda aos domingos e dias santos e às festas do Espírito Santo realizadas pela família com missa cantada, corridas de cavalhadas e touros, às quais concorria grande multidão de povo.
Maria Josepha, até a sua adolescência, conviveu mais com a mãe, a ausência do pai justificada pelos serviços militares e compromissos políticos na região de Vila Maria, era preenchida pela presença da mãe que, além de grande amiga e companheira do dia a dia, representava a autoridade nos espaços da Casa Grande.
Maria Josepha-sinhá
Educada para obedecer, Maria Josepha, na condição de sinhá-moça, não teve oportunidade de conhecer outros moços ou pretendentes que atrevessem a chegar perto da filha do Coronel da Jacobina.
O pai de Maria Josepha, Leonardo Soares de Souza, na posição de Coronel reformado, achando-se com idade bem avançada, adoentado e incapaz de administrar a fazenda, que era feito pela sua esposa Ana Maria, e temeroso com o futuro de sua filha, começa a traçar-lhe o destino.
O primeiro passo ocorreu no final de 1811, ao encaminhar uma petição à Corte requerendo a V.A.R. a nomeação de Tutora de sua filha, a sua própria esposa Ana Maria, que continuava na administração da Casa Grande e da fazenda, certo de que ela conseguiria sobreviver à sua falta.
O segundo passo foi o encaminhamento de uma carta, escrita em 05 de outubro de 1812, ao Capitão-General João Carlos Augusto D’Oynhausen, informando-o sobre a escolha do futuro genro:
tenho assentado ao tempo dar a minha filha e afilhada de V. Excia., e para isto tenho eleito o Capitão João Pereira Leite, Comandante de Vila Maria, por me persuadir acho todos os requisitos impecáveis para a conservação desta grande casa e tenho contratado com ele , neste respeito, conforme a vontade de que levo muito em gosto assim como minha mulher. (PEREIRA LEITE, 1978, p. 28).
Embora as partes, sogro e genro, já tivessem acertado o contrato do casamento, Leonardo continuou a escrever, desta vez para solicitar ao Capitão-General a aprovação da escolha e convidá-lo para ser padrinho da cerimônia do casamento de sua filha.
Na carta enviada ao Capitão-General João Carlos Augusto, a questão do dote de Maria Josepha não é comentada, no entanto, o enunciado “e tenho contratado com ele” pode significar a inclusão do dote da noiva no contrato, tendo em vista as propriedades e outros bens dos sogros que, por certo, estariam elencados nesse documento. A prática do dote era comum nas famílias abastadas no início do século XIX e significava, segundo Muriel Nazzari (2001) apud Alves (2016, p. 46), um requisito do casamento: uma questão de propriedade. E era concedido não só à filha ou ao marido, mas a ambos.
O futuro esposo de Maria Josepha, João Pereira Leite, nascido na Freguesia de Santa Maria do Outeiro, Portugal, em 1770, chegou ao Brasil em 1788 e foi transferido para Mato Grosso em 1796 para servir como Porta Estandarte em Vila Bela, capital da Província de Mato Grosso, onde permaneceu durante 25 (vinte cinco) anos; somente em 1813 foi transferido para Vila Maria, para ocupar o cargo de Comandante do Corpo de Caçadores Reais do Paraguai.
É interessante observar que enquanto o pai ‘acertava’ a união da filha com João Pereira Leite, a pessoa mais importante dessa relação, Maria Josepha, nos faz parecer que não foi consultada, o seu consentimento era o que menos importava para o pai, movido mais pela expansão dos negócios que pelos sentimentos da filha. E ao que tudo indica, os noivos não se conheciam, visto que os acertos do casamento ocorreu em 1812, quando Maria Josepha tinha apenas 11 (onze) anos de idade e o pretendente João Pereira Leite ainda morava em Vila Bela. Ao ser transferido para Vila Maria em julho de 1813, João Pereira chega com o status de
noivo da filha do Coronel da Jacobina, levando-nos a pressupor que os noivos só se conheceram nos dias anteriores à cerimônia do casamento, que ocorreu poucos meses depois.
A acentuada diferença de idade entre Maria Josepha (12) e João Pereira (43) remete ao que diz Levy (2009) sobre a escolha de genro. Explica a autora que os casamentos desiguais quanto à idade eram usuais à época colonial, enquanto os desiguais do ponto de vista social ou religioso não eram bem vistos no Brasil e, como a escolha dos genros era prerrogativa dos pais, as igualdades estavam sujeitas aos seus interesses.
O contrato de casamento deu a Leonardo uma relativa tranquilidade, as questões econômicas e sociais que envolviam as terras, a administração da fazenda, a criação de animais, a produção da lavoura, a fabricação de aguardente, o contingente de escravos, entre outros negócios, iriam ser mantidos.
Tudo acertado e os preparativos sob controle, a menina-moça Maria Josepha casa-se com o sargento-mor João Pereira Leite, em 1813, na Capela da fazenda. O casamento foi celebrado pelo Padre Gomes, irmão da mãe da noiva, Ana Maria, e assistida por militares graduados, políticos influentes de Cuiabá e Vila Maria e amigos, bem como o pessoal da fazenda. O casamento foi um grande acontecimento social e político e significava, aos olhos da sociedade, respeito, ascensão social e segurança. O pai de Maria Josepha estava muito orgulhoso pela união da filha com um dos homens mais notáveis do seu tempo, que gozava de enorme prestígio e tinha uma carreira militar que atestava todo o seu merecimento. (PROENÇA, 1992, p. 60).
Como determina o ritual de casamentos de sinhás-moças ricas, imagina-se Maria Josepha, uma menina saudável, usando vestido de renda branca até os pés, uma coroa de flores brancas sobre o véu também de renda branca na cabeça, e trazendo nas mãos um buquê de flores naturais. O tradicional uso de flores brancas e naturais, conforme Mary del Priore (2014), simbolizava a virgindade e a fecundidade da união.
O amor não era essencial nessas relações e o que predominava era a união de interesses para a manutenção do prestígio e estabilidade social. (Idem, 2014). O romantismo em casamentos arranjados não existia, ademais, como reagiria uma menina de 12 anos em contato matrimonial com um homem que poderia ser seu pai?
No entanto, essa idade para casar era aceita pela Igreja e, por outro lado, era voz corrente que filha solteira de 15 anos dentro de casa inquietava os pais que começavam a fazer promessas a Santo Antônio e a São João. Até versinhos foram criados para arrumar casamento precoce: Meu São João, casai-me cedo, / Enquanto sou rapariga, / Que o milho rachado tarde / Não dá palha nem espiga. (FREYRE, 2006, p. 430).
Como não poderia deixar de ser, depois do enlace, Maria Josepha e seu esposo passaram a residir na Casa Grande da fazenda Jacobina. Para a recém-casada parecia que tudo continuava como antes, a mesma casa, a mesma família, as mesmas escravas, no entanto, o que mudava era a instalação do quarto nupcial e a sua condição de sinhá para mulher.
Maria Josepha-mulher e mãe
A máxima religiosa “Uni-vos e multiplicai-vos” caiu como uma luva para o casal. Um ano após o casamento, na flor da idade, aos 13 anos, Maria Josepha deu à luz seu primeiro filho, Joaquim Pereira de Souza Leite, o qual foi batizado na Capela da fazenda pelo Padre Joaquim José da Silva.
Nesse mesmo ano (1814), Maria Josepha iria experimentar emoções de tristeza, com o falecimento de seu pai, deixando viúva a sua mãe Ana Maria, que continuou a administrar a fazenda e os negócios do marido, visto que o genro se ocupava de outros afazeres que o mantinham ausente do lar.
Com o apoio incondicional da mãe, Maria Josepha, ao longo de sua relação matrimonial, tornou-se mãe de 10 (dez) filhos, sendo ao todo 07 (sete) homens e 03 (três) mulheres, cujos nomes seguem com as datas de nascimento:
01. Joaquim Pereira de Souza Leite 06 – 06 – 1814
02. João Carlos Pereira Leite 04 – 11 – 1816
03. José Augusto Pereira Leite 14 – 04 – 1818
04. Senhorinha Thereza da Silva 29 – 07 – 1919
05. Antonio Maria Pereira Leite 05 – 04 – 1822
06. Ana Maria da Silva 26 – 06 – 1825
07. Leonardo Pereira Leite 07 – 08 – 1827
08. Luiz Benedito Pereira Leite 21 – 01 – 1830
09. Maria da Glória Pereira Leite 22 – 04 – 1831
10. Pedro Nolasco Pereira Leite 19 – 01 – 1833
Todos os filhos nasceram na Jacobina, e vieram ao mundo pelas mãos de uma parteira, geralmente a comadre da proprietária da fazenda, e que além de “aparar crianças”, era benzedeira, ou pelas mãos de uma mucama com muita experiência. E embora Maria Josepha corresse riscos a cada parto, mostrou-se uma fortaleza na procriação, talvez pela jovialidade e pela vida saudável que tinha. Os filhos, sem exceção, nasceram sadios e, em
pouco tempo entre um parto e outro, a Casa Grande transformou-se em uma creche pela numerosa prole.
Maria Josepha chegou aos 32 (trinta e dois) anos rodeada de 10 (dez) filhos que criou com a ajuda da mãe e das mucamas da fazenda, e as brincadeiras com as amigas que lhe faltaram na infância, agora tinha de sobra, entre os cuidados de amamentar, cuidar, conversar e brincar de mãe com os filhos.
As cerimônias de batismo dos filhos sempre foi uma grande festa e eram realizadas na Capela da fazenda, e a escolha dos padrinhos recaía sobre políticos e militares da Capitania de Mato Grosso, com os quais os proprietários da Jacobina mantinham relações de amizade e apreço.
Hércules Florence, desenhista francês e um dos integrantes da Expedição Langsdorff no interior do Brasil, durante a sua passagem pela Jacobina em setembro de 1827, descreve o esposo de Maria Josepha, tenente-coronel João Pereira, como um homem de baixa estatura e ar fanadinho, apesar de ser assaz robusto. (Idem, p.181).
Quanto à sua jovem esposa, as informações eram de que durante a sua infância e mesmo depois de casada, jamais se envolvera na administração da fazenda e da casa, não por gosto, mas pela proteção da mãe que a mantinha afastada dos afazeres domésticos e dos negócios. Mesmo depois do casamento de Maria Josepha, quem continuou a administrar a fazenda foi sua mãe Ana Maria. Nesse cenário, podemos imaginar que Maria Josepha nunca tenha pisado na cozinha, espaço exclusivo das escravas responsáveis pelas refeições e sobremesas diárias da família, e nem tenha aprendido a tear com as escravas da Casa Grande.

Em conversa com Hercules Florence (1827), Ana Maria apresentou o genro como um mero valet de chambre da toda poderosa proprietária da Jacobina (SOUZA, 1998, p. 31, nota 25), confidenciando, ainda, ao visitante: Não quero que meu genro se ocupe de lavoura, isto é bom para mim que nasci no meio dos trabalhos de campo. No entanto, a visão do poderoso João Pereira Leite em relação à administração da fazenda era muito diferente da opinião da sogra, conforme Souza (Idem):

além de comandar a guarnição de Vila Maria e o Registro de Jauru, boa parte da fronteira, como rio Paraguai abaixo até Albuquerque estava sob o seu comando. Assim, pouco lhe interessava a Jacobina. Como Oficial de Milícias, tinha afazeres mais importantes e mais patrióticos do que a agricultura e a pecuária da fazenda de sua mulher.

Nos dois momentos em que Hércules Florence esteve na Jacobina, em 1827, observou na sua chegada que, no grande jantar oferecido aos hóspedes, a família do Tenente-coronel esteve ausente; e também após o batizado do filho Leonardo, Maria Josepha, embora restabelecida do parto, sua mãe Ana Maria e os filhos também não participaram da festa. Nessa época, era comum mulheres e crianças não aparecerem aos visitantes. A única mulher da família de quem Hércules Florence se aproximou e conversou foi com a matriarca Ana Maria, que continuava dando as ordens na fazenda.

O ano de 1833 ficou marcado duplamente para a família Pereira Leite, nascia em 19 de janeiro Pedro Nolasco Pereira Leite, o último filho do casal, e oito meses mais tarde, vem a óbito o Tenente-coronel, que se encontrava com 63 (sessenta e três) anos e doente, e a sua ausência vai causar grandes mudanças na administração da fazenda e na vida da viúva.

Como era costume o sepultamento de mortos de família da Casa Grande em Capelas, o corpo do Tenente-coronel João Carlos foi sepultado na Capela da fazenda Jacobina, lugar onde já se encontravam os restos mortais dos pais de Maria Josepha.

Em um momento da história do Brasil-colonial, em que o sistema familiar, a organização econômica, os sistemas jurídicos e econômicos determinavam o lugar da mulher na sociedade patriarcal e escravocrata, Maria Josepha rompe com esses sistemas e passa a administrar a fazenda Jacobina a partir de 1834, na condição de viúva e mãe de 10 (dez) filhos, sem experiência para o trabalho e os negócios da fazenda, encontrando forças nos filhos.

Superando um a um os problemas diários, transformou-se em uma corajosa matrona que, conforme recontos de testemunhas, percorria todo o sitio, com chapéu largo à cabeça, chicote em punho, dirigindo os serviços, animando os empregados com tom de voz alto, e fazendo sentir, quanto necessário, o corretivo enérgico. (PEREIRA LEITE, 1976, p. 31).

O apelido Nhanhá da Jacobina foi herdado de sua mãe Ana Maria, que foi apresentada a Hercules Florence (1977, p. 87) como a chefe dessa grande oficina, que dirigia tudo, tudo vigiava, obras, engenhos, plantações, gado escravos agregados, enfim, a fazenda inteira, sem esquecer o Tenente-coronel e a sua família.

Maria Josepha era auxiliada nos trabalhos pelo seu segundo filho, João Carlos Pereira Leite que, a partir dos 16 (dezesseis) anos se transformou em seu assistente, ajudando-a na criação dos irmãos, na administração da fazenda, nos negócios deixados pelo pai e protegendo-a de eventuais adversidades.

Diferente de seus pais que não se preocuparam com a sua formação, Maria Josepha não perdeu tempo com a educação de seus filhos e preparou-os para fazer os estudos primários em Cáceres, onde tinha residência e depois fora do município.

Viúva jovem e rica, enamorou-se de José Alves Ribeiro com quem contraiu novas núpcias, tornando-se mãe, pela décima primeira vez, em 1837, de um menino que recebeu na pia batismal o nome de Generoso Leite Ribeiro, que teve como madrinha a avó Ana Maria.

O segundo esposo de Maria Josepha, ao contrário do primeiro, era comerciante e pecuarista na cidade de Poconé, e engajado na política da Província desde 1831. Foi um dos líderes do movimento de nome Rusga que eclodiu na cidade de Cuiabá, em 30 de maio de 1834, culminando na matança de muitos portugueses, que eram chamados de adotivos ou bicudos.

As consequências do envolvimento político do esposo foram cruciais para o desfecho da união do casal, e blindaram a jovem senhora do Engenho de aço contra as seduções que, na sua idade e com a sua riqueza, coalham a sua vida amorosa. (PEREIRA LEITE, 1976, p. 31). Sem condições de retornar ao lar, José Alves Ribeiro, após os fatos que agitaram o norte de Mato Grosso no período de 1834 a 1837, partiu para o Vale do Taboco (hoje Miranda – MS), (MESQUITA, nota de rodapé 19, 1992), deixando a esposa e o filho recém-nascido para trás.

Depois dessa triste experiência, que causou decepção e mágoa a Maria Josepha, vamos encontrá-la transformada em uma mulher ríspida, autoritária, imperiosa, que só o amor dos filhos ameigava o seu coração (PEREIRA LEITE, 1976, p. 31

Maria Josepha e sua mãe Ana Maria são descritas por Proença (1992, p. 63) como
mulheres destemidas que não primavam pela beleza, mas sabiam impor com dinamismo e determinação somados a certa candura feminina, o que as fez passarem para a história como matriarcas estimadas, importantes e respeitadas no panorama socioeconômico da Província mato-grossense.

Maria Josepha, avessa às novas relações amorosas, viveu exclusivamente para os filhos e para a fazenda, tornando-se uma matriarca muito influente e importante na sociedade de Vila Maria. Nos documentos de doação de casas, de vendas e trocas de escravos, não era a Nhanhá da Jacobina que se dirigia ao cartório, ao contrário, era o tabelião que se deslocava até a sua residência para lavrar a ata, como podemos ver no recorte do documento cartorial:

(1) Na Escritura de troca de escravos feita entre Maria Josepha e seu filho Bel. Pedro Nolasco Pereira Leite, em 17 de dezembro de 1857, na residência de Maria Josepha na Freguesia de São Luiz do Paraguai de Villa Maria, transferia a seu
filho um escravo de nome Fely Africano em troca de um escravo de nome Jeronimo a quem tinha dado liberdade. (Livro de Notas n. 1. 1º Cartório, Villa Maria, 1856, grifo nosso).
Dos 11 (onze) filhos de Maria Josepha,
a) cinco permaneceram solteiros: Joaquim; Senhorinha Thereza; Antonio Maria; Pedro Nolasco; e Generoso, filho do segundo casamento;
b) um não deixou descendência: Leonardo;
c) duas se casaram, Maria da Glória que se tornou Baronesa de Villa Maria ao esposar o seu primo, o Barão Joaquim Gomes da Silva; e Ana Maria que se casou com o Major José Joaquim de Carvalho;
d) três se casaram, João Carlos; Luiz Benedito; José Augusto.

Dos filhos homens de Maria Josepha, o escritor Pereira Leite (1976) destaca três, João Carlos, Luiz Benedito e Pedro Nolasco, pelos relevantes serviços prestados à vida pública e política de Mato Grosso e do Brasil, assinalando: três são fidalgos cavalheiros da casa Imperial; dois são comendadores das ordens de Cristo e da Rosa e portadores de medalhas, com participação ativa na Guerra do Paraguai; e o caçula, o primeiro mato-grossense a formar-se em Medicina. (Idem, p. 11).

Das filhas mulheres de Maria Josepha, queremos destacar Maria da Glória, que se tornou a primeira e única Baronesa de Vila Maria, a partir do título de Barão concedido a seu esposo Joaquim José Gomes da Silva, em 21 de junho de 1862, pelo Imperador D. Pedro II, em reconhecimento aos serviços prestados ao país, e coube ainda à Baronesa a autoria de uma carta-documento dirigida ao presidente da República, general Deodoro da Fonseca, sob o título A extinta província de Mato Grosso poderá por si só constituir-se estado?, em que questiona a situação da Província de Mato Grosso à época.

A família Pereira Leite da Jacobina, pelas propriedades rurais que possuía, pelas relações de poder político local, estadual e nacional, pela expansão dos negócios, tornou-se uma das mais poderosas de Mato Grosso, primeiro pelo afinco e visão de negócios dos primeiros donos, Leonardo e Ana Maria, depois pelas mãos firmes da viúva Ana Maria e, por último e por mais tempo, pela garra e destemor de Maria Josepha e de seus filhos homens.

Aos 88 (oitenta e oito) de idade, a nossa heroína Maria Josepha faleceu em 3 de novembro de 1888, e foi a mais longeva da família Pereira Leite, com exceção de seu filho Benedito que faleceu em 1910. Sepultada no Cemitério São João Batista, em Cáceres, descansa ao lado de 7 (sete) de seus 1
Observando as uniões matrimoniais dos filhos, netos e bisnetos de Maria Josepha, podemos afirmar que a sociedade cacerense foi formada, em sua grande parte, pelo tronco dos Pereira Leite. Com o passar dos anos, os Pereira Leite espalharam-se por Cuiabá, Rio de Janeiro e outros estados, não deixando nenhum descendente na cidade de Cáceres. (SOUZA, 1998, p. 35, nota 44.

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